março 23, 2008

O Dia da Mulher, as Doze Palavras e um Conto

Escrevi o texto que se segue a pensar no Dia da Mulher, sem conseguir fugir às minhas analogias habituais. Sem deixar de pensar nas metamorfoses entre o passado, o presente e o futuro. Ou nas praias de Sintra, esse lugar que eu amo. E sem nunca deixar para trás a esperança. A esperança é a palavra perfeita, permitam-me o à parte.
Toda esta introdução acaba por ser também uma forma de
responder ao Luís do blogue "Port Croft" sobre as 12 palavras que mais gosto - eu diria que gosto ou que repito - porque quando idealizei o texto sabia que estava num dos meus contextos preferidos. Vivo oxigenada pela escrita e sei que muitas vezes retorno à praia - num daqueles finais de tarde quietos - ao mar e às gaivotas que se passeiam aqui e ali na areia molhada pelas ondas que vigiam quem por ali deambula, brinca, corre... O mundo pode dar mil voltas mas ali, naquelas praias, naquela região, volta-me sempre o sorriso.


Baton a condizer com um sorriso fugidio, o nariz arrebitado e a cara salpicada pela chuva miúda que ninguém parece sentir. Um raio de sol passageiro acentua-lhe a tonalidade avelã do olhar e pequenas fagulhas doiradas surgem nas madeixas onduladas que se entrelaçam numa dança com o vento, as pestanas, o nariz e os lábios.

Uma gaivota grita e o som perde-se nas reflexões que lhe serpenteiam no pensamento. O mar revolto intimida os mais arrojados e um quase Outono expulsou o ruído da multidão da praia. Só alguns pontos coloridos se atrevem a deslizar, lá longe, onde o azul se enleia num cinza triste mas belo.

O presente nunca foi tão presente como hoje, enquanto descia pela escarpa, até chegar ao muro empedrado e baixo que acomoda a praia num rectângulo frágil... Nunca se sabe se o muro vai estar ali no dia seguinte, no mês seguinte, no ano seguinte.

Sentada na pedra fria, alheada da frialdade da pedra vestida por areia húmida, deixa o sorriso calar-se. Sabe que até as milésimas de segundo sofreram metamorfoses, e agora algumas vezes emudece sem saber porquê. “Sem saber porquê” é algo novo. A mão pousada no muro sente, por fim, como este está frio e ela repara que no vento baila o grito de uma gaivota. Hoje foi o primeiro dia em que se escapuliu por uma escarpa abaixo para meditar, num isolamento premeditado porque foi também o primeiro dia do final do presente e o começo de muitos “sem saber porquê”.

Muitos Outonos depois desenhará, distraidamente, no mesmo muro baixo, linhas invisíveis, enquanto recordará o dia em que entreviu os seus “sem saber porquê”. E escutará o grito de uma outra gaivota. O muro, esse, foi reconstruído mil vezes. Tal como ela. Mas isso não terá a mínima importância…

3 comentários:

luis manuel disse...

O presente nunca foi tão presente como hoje... Nunca se sabe se o muro vai estar ali no dia seguinte, no mês seguinte, no ano seguinte.
Sem saber porquê...
Porque sim ! Os Outonos, anteciparão os Invernos e depois deles as Primaveras enfeitam o jardim que acolhe os Verões.
E a gaivota, acompanhada por outras de iguais vontades, gritará de novo.
O pensamento encontra-se, a vida renova-se e aquele sorriso fugidio afirma-se, alarga-se, e com ele os lábios dançam, os olhos brilham... e a "páginas tantas"... damos conta da eterna esperança. E o sorriso, ainda o sorriso, afeiçoa-nos a presença
Uma Santa Páscoa

PortoCroft disse...

E eu mereço? :)

Todos os muros caem e são reconstruídos. Da mesma forma que, nós próprios, adaptamo-nos.

Mas, porque tudo é efémero, nunca o "sorriso que se cala", falará de novo.

Bonito texto poético.

Beijos.

Eremit@ disse...

belo texto e afinal já começaste, por outra via, o nosso jogo das 12 palavras.
Vim aqui e "roubei" o email que nele consta.
Fraterno abraço menina