dezembro 15, 2005

Distraído a olhar através de uma das vidraças da janela da sala, dera-se conta de um brilho diferente que se escondia por detrás dos cortinados da janela em frente. Era quase de noite e percebeu o que era a intermitência luminosa, toda ela em forma de cone. Já é Dezembro, pensou surpreendido. O Natal chegara-lhe às mãos na altura errada, e dera por si a detestar a árvore que adivinhava do outro lado dos cortinados. Ele, sempre tão ávido do encantamento que via irromper aqui e ali nas ruas da cidade, a íris brilhante com a magia das luzes... Estava irritado.

Sempre gostara do Natal, dos enfeites das lojas dos trezentos misturados com os de saldo do ano anterior, desta ou daquela loja mais cara. E das luzes tremeluzentes, e de decorar a árvore. Antigamente os colegas de trabalho até troçavam - pinheiros e luzinhas a piscar são coisas de mulher - ainda que agora prefiram calar-se, transformando o Natal em tabu ao seu lado, sabendo que lhe suscita lembranças de actos do passado. Daqueles riscados a encarnado num exame, já sem emenda.
Após determinada fase da vida, os erros cometem-se por nossa conta e risco e ele fizera alguns, sem lhe ser possível pedir revisão de provas. "Errar é humano" diz-se por aí, mas sem professores para perdoar as falhas, somos aluno e examinador numa só pessoa. E tornamo-nos implacáveis connosco. A vida é tão imprevisível, pensou, e opõe-se sem excepção às certezas traçadas.

Por isso, passou a gozar o seu dia de Natal fora de época, nada de dias 24 ou 25, podia ser 23, 26 ou por aí, mas nunca na data oficial. Até porque já antes abominava as expectativas em excesso que cercam a quadra natalícia.

E a árvore do vizinho a piscar sem fim, e o e-mail do amigo lido algumas horas antes, e a revolta a confundir-se-lhe no âmago.

Os e-mails são impessoais, permitem-nos ser sucintos. Após alguns parágrafos sem história, o amigo digitara um aforismo, "Só faz falta quem cá está". Os e-mails possibilitam até que nos assemelhemos a máquinas. E ele ficara sem palavras, nem das que nos saem pela boca, nem das electrónicas, nem nenhumas... Ficara emudecido, atordoado. Depois, lera e relera o e-mail. Tentando que este perdesse o sentido. "Só faz falta quem cá está". E ele que não pudera estar... sabia-o. Mas os seus motivos haviam certamente sido amarrotados e atirados para o lixo...

Há muito que não tinha um ano tão difícil e aquele fora o toque de mestre do destino. Só-faz-falta-quem-cá-está, pensava ritmando as palavras com o acender e apagar das luzes do pinheiro de um vizinho que nunca conhecera.
O egoísmo que se nos imiscui nas pregas da pele, apenas nos permite despertar para a realidade quando esta nos atropela. Sempre soubera - sem pensar muito nisso - dos isolados, dos parados no tempo, apáticos, com a barba por fazer, a camisola por estrear... Os que em algum momento das suas vidas, das suas caminhadas, "não haviam estado" e não tinham sido amnistiados. E nem eles próprios se haviam perdoado, em consonância com as leis da sociedade. Não que alguém efectivamente se tivesse dado ao trabalho de saber porquê que "não haviam estado". A sociedade julgara os casos à revelia. O ónus das acusações era simples ainda que redutor: "Não haviam estado". E "Só faz falta quem cá está".

Foi ao armário, abriu um dos caixotes e agarrou num enfeite, uma daquelas frágeis bolas de vidro, transparentes, e viu a palma da mão através dela. Concentrou-se, imóvel... Não via o futuro no globo de vidro ou nas linhas da palma da mão porque não o sabia fazer, mas tinha a certeza que estava ali, que era palpável, humano, não apenas o resultado de uma sentença num tribunal anómalo, e por consequência recusar-se-ia a ser uma máxima expressa em caracteres robóticos num e-mail.

Uma lágrima caiu na superfície delicada da bola de vidro e escorregou até à palma da mão. Tirou a sua árvore de natal da outra caixa e armou-a. Enfeitou-a e ali estava ela, a piscar gentilmente, criando cintilações matizadas. No topo, colocou o globo de vidro... E desejou que todos conseguissem ter a capacidade de tentar encontrar novos amigos. Com falhas, com dúvidas, mas humanos o suficiente para perceberem que não há um único ser que não faça falta.


Por Raquel Vasconcelos
in Jornal
O Progresso de Gondomar

44 comentários:

Anónimo disse...

Bela história. Ao nível de Andersen ou grimm, ou mesmo Dickens.
E a música , ui....Desses único...
Não digo.
Webraços amiga.

Afrodite disse...

Genial, Raquel!

Conceição Paulino disse...

amiga, belíssima narrativa.lavas-nos pela mão com apersonagem e a dua dor e tristeza, até ao momento em k resolve perdoar-se a si próprio e rearmar a árvore, a vida.O Natal é isso. Um rensacimento, ou a certeza dek existe ( e não falo num otro plano,mas neste).Bjocas de luz e paz

Luís Monteiro da Cunha disse...

Sem mais palavras...
Estou cá!

Se faço falta... não sei!
Apenas sei que precisava de te dizer isto...

Bjinhos

Anónimo disse...

A falta só se sente quando a presença está ausente... Lindo como sempre esta tua narrativa, cada vez te soltas mais. A música está espectacular. Beijos

Bom fim de semana

mfc disse...

Eu que abomino o Natal,à última hora não deixo de ser contagiado pelo seu espírito!
Há coisas que estão de tal modo entranhadas em nós que por mais que queiramos não nos libertamos delas. E será que queremos mesmo libertarmo-nos??
Um lindo e tocante conto de Natal.
Um beijinho.

Dulce Gabriel disse...

Muito bem esgalhado o teu conto de Natal.Boas Festas.

Perola Granito disse...

Boas Festas e um grande beijinho :)

Mitsou disse...

Sublime, mana!
Gosto de ver-te assim, já sabes.
Estou aqui, nem que seja em pensamento. Também sabes.

Beijinho doce, linda.

Art&Tal disse...

TU SABES O QUE PENSO ACERCA DOS TEUS TEXTOS...
... OS DELIRANTES NATIS ESTÃO AÍ
TODOS OS DIAS
PERCEBI O DILEMA DA TUA PERSONAGEM

Impensamental disse...

Bom dia, gostei da história

Que Bem Cheira A Maresia disse...

Gostei de navegar em silêncio nas tuas palavras.

Beijo da Lina/mar Revolto

Margarida Atheling disse...

Tão bonito quanto verdadeiro! :)

Beijinhos!

Afrodite disse...

atchim..............

Obrigada, amiguinha!

GNM disse...

Escreves lindamente...

Um beijinho e um sorriso!

mixtu disse...

adorei a tua escrita e k todos encontrem um amigo

Miguel disse...

Palavras Sábias ...
Um texto muito bem escrito!

E Estou de acordo contigo!
Natal deveria ser quando o homem quer!

A amizade acima de qq coisa material!
E muito mais significante do que o presente mais caro!

Os votos de um Feliz e Santo Natal cheio de alegria e que
Os teus SONHOS se tornem REALIDADE ...
No próximo Ano e que 2006 seja um ano ainda melhor ...

Mil Bjks da Matilde, Ligia e miguel Brito

JMTeles da Silva disse...

:)
Bjokas

gato_escaldado disse...

gostei do "registo" do texto. muito bem escrito, claro.

votos de Boas Festas. ate janeiro. beijos

Graca Neves - mgbon disse...

Quase fiquei convencida com esta leitura.
Muito lindo, o texto.

Alexandre de Sousa disse...

FELIZ NATAL

Su disse...

como sempre é um prazer ler-te, gostei e reli...

desejo-te um feliz natal e que o ano novo seja repleto de coisas boas e lindas , para ti e todos os teus

mil jocas maradas de natal

Dilbert disse...

Oi,
Vim aqui deleitar-me com as novidades do teu Bloguinho e tive sorte grande logo com este conto maravilhoso.
Aproveito para te deixar aqui os meus votos sentidos de um Feliz e Santo Natal extensivos a todos os que te são queridos.
Complemento ainda com desejos de um 2006 repleto de sucessos pessoais e profissionais.
Beijokas Natalícias
P.S.: adorei também a música... reconfortante

Afrodite disse...

E é claro que eu deveria fazer como toda a gente, ou seja,
mandar mais ?um? e-mail pra entupir a tua caixa de mensagens.....

É isso, Natal é um momento de reflexão e
blá,blá,blá,blá,blá,blá,blá,blá,blá,blá,blá,blá......

Desejo-te muita paz, saúde e blá,blá,blá,blá,blá,blá......

Mas sejamos mais realistas...mais verdadeiros....
O que aqui a Afrodite Maria te deseja,
do fundo do coração,é que.....

Anónimo disse...

Há algum tempo que ñ passava e comentava por cá e agr deparo-me com este texto e sinto uma mistura de medo, tristeza e conforto. A tua escrita é sempre tão humana, que condensa o melhor e o pior do que é ser humano neste século, com tudo q vivemos p trás e tudo o q receamos ñ viver p a frente...

Gostei especialmente do remate final...

*Feliz Natal Raquel*

Impensamental disse...

bom e Feliz Natal, um 2006 com muitas belas palavras.

Que Bem Cheira A Maresia disse...

Passei para renovar os votos de um Feliz Natal


beijos da Lina/Mar revolto

Unknown disse...

Olá querida amiga vim te visitar e trazer-te um abraço meu e um grande beijinho deixando para ti os votos de um feliz natal

Margarida Atheling disse...

Que tenhas um Natal muito feliz!

Beijinhos!

wind disse...

Vim agradecer e desejar um Bom Natal e um óptimo ano 2006:)

Jorge Oliveira disse...

FELIZ NATAL, com Jesus!
Abraços
JO

LS disse...

Aqui do alto da Serra da Estrela coberta com um manto brnaco, frio e lindo, desejo-te a ti e aos teus leitores um Santo Natal e um Maravilhoso Ano Novo. Bjinhos e abraços serranos para todos vós.

Alberto Oliveira disse...

Agradeço teu postal de natal que é muito agradável.
Desejo igualmente que passes estes dias o melhor possível e que no próximo ano se concretizem todos os teus projectos e anseios.
Deixo-te um beijo.

Afrodite disse...

Feliz Natal!

§(~_~)§ beijo da Afrodite

(Também te deixei, não um postal, mas uma carta de Natal. Podes ir buscá-la?)

Menina Marota disse...

Fiquei presa às tuas palavras...

"...Há muito que não tinha um ano tão difícil..."

Nem eu!

Excelente texto que me fez soltar a tristeza que tenho cá dentro e, nesta madrugada, agarro-me às tuas palavras e, digo-te que é sempre um prazer enorme ler-te! E, sei que não estamos sós, neste Mundo de palavras, que nunca serão virtuais, mas tão reais como o é o nosso coração.

Um abraço carinhoso e que tenhas um Natal sereno e em paz contigo e com os outros.
FELIZ NATAL

Mitsou disse...

Feliz Natal, maninha mais nova!
Que o 2006 só te traga sorrisos e sucessos :)******

Beijocas docinhas!

A.Mello-Alter disse...

TEIMOSO, UMA OVA!

BOM NATAL

APIUR disse...

...nestes minutos finais de 24 de Dezembro encontro, depois de atravessar uma Lisboa tranquila, plena de frieza, acima de tudo humana, é bom viajar, e neste blog pousar e ler um texto tão belo, ao som de uma musicalidade de escolha tão certeira...de uma humanidade tão inexistente...
Como compreendo este texto nas dobras do papel que cada ser grava a sangue e lágrimas na sua vida de vegetal mal aceite pelos outros seres mais distraidos.
Muito obrigado pelo postal, Amiga,
Beijos,
Apiur

Å®t Øf £övë disse...

Espero que tenhas tido um Natal cheio de paz, amor, carinho, e algumas prendinhas.
Bjs.

Anna^ disse...

Doi sempre o julgamento alheio e ainda mais quando este é feito em bases pouco sólidas...em meras deduções.
Triste mas muito humano este post.
bjokas ":o)

Su disse...

lindo este teu conto, como sempre amei ler
merci pelos mails natalícios, tão belos e sabendo que és tu que os fazes, mais lindos são
espero q teu dia de natal tenha sido feliz, mesmo com os "ausentes"
jocas maradas

Ana Nunes disse...

Lindo e verdadeiro o que escreveste. Adorei e reconforta a alma ouvir este som.
já agora como ponho música no meu blog?
ananunessagorro@hotmail.com
beijinhos

GNM disse...

Raquel, espero que entres muito bem no novo ano.

Diverte-te e sorri!

Anónimo disse...

Nunca encontro as palavras certas para comentar aqui... Só apenas direi, que é mais uma das tuas soberbas crónicas.

Um muito - Bom Ano 2006 - Tu mereces!

Beijos